Baixei músicas de uma cantora trans

O pop escapista de Kim Petras

Foto: Instagram.

Falar de música pop, e classificá-la como escapista, pode parecer mais um exercício pleonástico e menos uma análise sobre os discursos nesse campo. Não é bem assim. Explico: a cantora Kim Petras (já falo mais sobre ela, calma) disse em uma entrevista que investe no pop escapista para dar alegria aos seus fãs. Ela está certa. E nenhum pouco redundante.

Que o pop serve principalmente para o entretenimento, a gente sabe desde o mergulho no universo colorido e exagerado dos anos 1980, marcados pelos ídolos planetários e quase sempre fúteis, no melhor sentido da palavra. Afinal, garotas e garotos só querem se divertir. Cindy Lauper manda beijos.

Mas o pop também é condutor de mensagens políticas. Não são poucos os artistas que usam desse veículo, aparentemente superficial, para impulsionar discursos mais maduros, do empoderamento sexual ao racial. Beyoncé manda beijos.  

O que Kim Petras promove, hoje, é uma espécie de revolução disfarçada com algodão doce. A garota é alemã, tem 27 anos, fixou residência em Los Angeles e está conquistando um público cada vez mais numeroso, laçado pelos tentáculos elásticos da internet. Detalhe: ela é transgênero. Fez a cirurgia de redesignação sexual aos 16 anos (a mais nova transexual a ser operada). E já lançou dois álbuns repletos de hinos dançantes, sem as correntes de uma gravadora.

Conheci a recente obra de Kim Petras graças aos algoritmos do Youtube, que me sugeriu um vídeo biográfico sobre a moça. Dali para a música foi um delicioso pulo. Baixei tudo o que vi pela frente. Agora, Kim divide espaço com Dua Lipa e Madonna na minha playlist.


A revolução de Kim é paradoxal, e paradoxos costumam me fascinar. Ela já é um ícone para a comunidade trans, o que basta para torná-la uma criatura política em meio aos fogos de artifício. Ao mesmo tempo, incorpora a fórmula consagrada pelas princesas do pop heteronormativas. Loira, magra, bem maquiada e com botas de cano longo, a cantora é uma mistura do exotismo de Lady Gaga com os encantos de Britney Spears, em seus tempos áureos.

O que também chama a atenção: Kim Petras escreve e ajuda a produzir as próprias canções. O repertório intercala faixas bobinhas, no melhor estilo pop-chiclete (""Malibu", "Heart to break"), com algumas mais intensas, eletrônicas e sombrias, a exemplo do EP "Turn off the light", lançado especialmente para o Halloween do ano passado. Ali, os demônios e a suposta violência assumem sentido metafórico, quase catártico, para a vida de uma popstar trans que, certamente, tem um papel fundamental nesse mundo confuso: provar que, apesar da batalha sangrenta, tudo é possível.

Kim é um clichê bem-vindo. “Seja quem você quiser! Corra atrás dos seus sonhos! Esteja pronto para a guerra!”. Nada que já não tenhamos ouvido de outros artistas sem grandes conflitos identitários ou sexuais. Porém, em tempos soturnos, não custa repetir palavras de otimismo. Gosto de ver uma cantora trans dar um tapa com luva de pelica na cara de uma indústria que sempre lucrou com o "pink money", sem nunca dar protagonismo a quem merecia. Só por isso, Kim Petras é digna de aplausos. Está em seu lugar de fala, colhendo os louros. E me fazendo dançar sem culpa.

Torço para que Kim e muitos outros ajudem a normalizar esse cenário, em que todos os artistas deveriam ter espaço e reconhecimento, independentemente de gênero e sexualidade. Quando isso acontecer, não precisarei destacar, no título da minha postagem, que eu baixei músicas de uma cantora TRANS. Por enquanto, pode ser um chamariz, por motivos óbvios. Em breve, espero apenas enaltecer a obra. Kim manda beijos! 

Comentários

  1. Seu posto no LinkedIn me trouxe novamente ao seu blog. Dia dessas estava tirando alguns livros de uma caixa, que não não havia sido organizado pós última mudança, e uma gratadgrata surpresa,com me deparei com o seu.
    Ouvi "Heart to break" e "Malibu", gostei de ambas. Já estou seguindo e vou colocar na minha playlist. Valeu pela dia!

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  2. Fabrício, meu querido! Que bom ler seu comentário! Vou começar a atualizar o blog com mais frequência. Fico feliz demais em saber que desencaixotou meu livro e que minha dica sobre a Kim já chegou aí pra vc rsrs. Abraços!

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  3. amigo, sumiu! bom saber que está bem! Abraço grande!

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    1. Christian, comentei de vc outro dia! Saudades, meu amigo. Dê notícias. Tá no Rio ainda? Mande seus contatos atualizados para meu e-mail: rodrizivi@yahoo.com.br. Abração.

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