Ditadura amorosa

"Osmosis"e a obrigação 
de se apaixonar


Por que "Osmosis", nova série da Netflix (sim, amo meu sofá), consegue ser tão incômoda?

A premissa já é perturbadora por si só: a criação de um aplicativo que age no cérebro para ajudar na busca pela alma gêmea. 

É ficção (por enquanto), mas plausível, em tempos de inovações tecnológicas cada vez mais mirabolantes.

A ideia de almas idênticas permeia o discurso romântico repetido por filmes, novelas, músicas (hello, Fábio Jr!) e até livros mais ingênuos.

Ainda somos influenciados por essa noção de incompletude que nos é vendida a todo tempo. Acreditamos, em algum momento, que há no mundo alguém para tampar a nossa panela.

Pior: vivemos sob uma ditadura do amor. Somos praticamente obrigados a nos apaixonar para encontrar algum sentido na vida. Viver sem um par romântico, para muitos, é insuportável.

"Osmosis", uma produção francesa, brinca com essa crença orgânica, presente ainda em dias ultratecnológicos, para expor o lado mais obscuro e complexo do ser humano.

Seria possível programar o amor? Apaixonar-se por alguém verificado por um "app" como um igual a você?

Não é preciso assistir à série (embora eu recomende) para concluir que não, que o amor envolve riscos. Envolve a liberdade de escolha. Envolve alegrias, mas também tristezas e decepções. Pode dar certo. Pode dar errado.


Além disso, a diferença, quando conciliável, é necessária para o exercício da tolerância numa vida a dois satisfatória. Amar um espelho, um gêmeo, seria narcísico demais para suportar. 

"Osmosis" deixa claro ainda que, em meio a essa busca pela tal alma gêmea, podemos ser egoístas. Temos demandas infantis, primitivas. Isso atrapalha a nossa evolução, não a tecnológica, mas a humana, a emocional.

Há narrativas paralelas à busca pelo amor em "Osmosis". Histórias familiares traumáticas, por exemplo. O que, naturalmente, atrapalha o amor. Além, claro, da disputa pelo poder e da óbvia busca pelo dinheiro, pelo status, através de uma invenção que explora a falta de autoconhecimento e confiança em cada um de nós. 

O que mais intriga em "Osmosis" é o paradoxo que estabelece entre os nossos incríveis feitos como cientistas e o nosso subdesenvolvimento emocional. Culpa desse mundo frio que nos cobra cada vez mais e, por isso mesmo, nos deixa ridiculamente carentes. 

Ao ponto de fazer com que a gente busque a solução de mais esse problema, e de outros tantos mais complicados, numa pílula, num clique.

Ninguém mais quer se esforçar para alcançar o que deseja. Dá trabalho. Faz sofrer. Assim, nos transformamos em uma massa que toma remédios pra dormir, pra ficar feliz, pra relaxar, pra se relacionar, pra tudo. 

Já usamos "apps" que nos prometem aquele tão desejado "match". Para viver em "Osmosis", basta um pulo. É de dar medo. 

Comentários

  1. Definiu bem, Zivi! Fiquei com medo de Osmosis. Ainda mais pq adoro um comprimido. Hahaha.

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    1. Hahaha! Deixa isso pra lá, Pascuim. Desse comprimido vc não precisa. Abraço. E obrigado pela visita.

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