O pop e a arte
"Artpop", de Lady Gaga: vendeu pouco porque é arte, ou é arte porque vendeu pouco?
Desde que Andy Warhol proclamou a era em que todos teriam 15 minutos de fama, a discussão sobre o que pode ser considerado arte só ficou mais confusa.
Digo isso baseado numa conversa com amigos em que esse debate, a certo ponto, ficou acalorado. Falávamos de Pablo Vittar, cantora drag queen brasileira, e a visibilidade que a artista vem alcançando na grande mídia (e não só em nichos específicos, como as boates GLS).
Se você já viu algum clipe de Pablo, vai concordar que a produção é caprichada, nível mainstream. As músicas do disco "Vai passar mal" (sucesso em streamings) remetem à MPB, ao funk, ao pop e ao eletrônico. Algumas faixas ganharam o toque de Diplo, um dos DJs mais famosos do mundo.
A voz é discutível. Mas é absolutamente louvável que uma drag esteja provocando o debate e, principalmente, fazendo seu ninho na imensa e democrática árvore da música. A recente parceria de Pablo com Anitta é apenas mais um indício.
A drag teve a faixa mais tocada no Carnaval do Nordeste ("Todo Dia") e começa agora a quebrar barreiras nas emissoras de rádio e TV voltadas ao grande público. Afinal, o que é pop e o que é arte nessa história?
Meus amigos não curtiram Pablo Vittar. Uma querida chegou a afirmar que esse sucesso todo faz parte de uma conspiração para emburrecer o público que consome música, a fim de que tenhamos uma geração ainda mais apática cultural e politicamente. Hummm...não sei.
No universo da música pop, é pouco provável que exista uma entidade, ou um governo, ou seja lá o que for, comandando um projeto ultrassecreto de emburrecimento em massa. O que temos é a famosa cultura massificadora, cujo alvo é mesmo o comércio, em distintos patamares.
No universo da música pop, é pouco provável que exista uma entidade, ou um governo, ou seja lá o que for, comandando um projeto ultrassecreto de emburrecimento em massa. O que temos é a famosa cultura massificadora, cujo alvo é mesmo o comércio, em distintos patamares.
Quando a ênfase é no desempenho comercial, a arte fica no prejuízo, é verdade. Mas não se apaga totalmente. Exemplo disso são os grandes artistas nacionais e internacionais, de Marisa Monte a Michael Jackson, detentores de vendas vultosas e, ao mesmo tempo, de trabalhos louváveis.
A drag Pablo Vittar em "K.O.", recordista de views na internet.
Por muito tempo, acreditou-se que a arte só poderia ligar-se ao sublime, ao lírico, a uma espécie de luxo cultural, avesso ao popular, uma ideia que, aos poucos, vai sendo desconstruída.
Se partirmos do princípio de que arte é tudo aquilo que permanece e provoca reflexão (e nada mais), então ficaremos presos aos quadros, pinturas, instalações e esculturas das grandes e pomposas exposições. Por outro lado, se entendermos que da natureza da arte também floresce o entretenimento, o mundo ganha novos tons e possibilidades.
Não precisamos gostar de tudo. Nem negar o óbvio. É claro que nem toda arte entretém, e vice-versa. Há, por vezes, uma linha tênue entre ambos. Pode haver, num só pacote, mais arte e menos diversão. Ou mais diversão e menos arte.
Prefiro considerar um show de Ariana Grande (ou da nem tão pop Tove Lo) uma espécie de simbiose composta pelos interesses da indústria e a arte de entreter. Recuso-me, assim, a desmerecer a arte implícita no canto, nos movimentos, nos figurinos e na própria iluminação que ajuda a incendiar as sensações.
Voltando a Pablo Vittar, não comprei o disco, não ponho pra tocar em casa, mas, vez por outra, gosto de admirar os vídeos e a classe com que essa drag queen consegue se expressar nesse mundo ainda tão opressor das minorias e atrapalhado quanto aos gêneros.
Ouso dizer que a drag, por si só, incorpora na sua apresentação uma qualidade artística primordial, aquela que favorece, de uma forma mais ou menos cultural, a mudança, a transformação.
Ouso dizer que a drag, por si só, incorpora na sua apresentação uma qualidade artística primordial, aquela que favorece, de uma forma mais ou menos cultural, a mudança, a transformação.
Não por acaso, Lady Gaga (que é quase uma drag, vai) deu o nome de "Artpop" a um de seus discos. Vendeu pouco, é verdade. Porque é arte. Mas vendeu. Porque é pop. É bem por aí.
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