Flashdance

Recordar é viver


Revi "Flashdance" pela enésima vez, mas com gostinho de novidade. Assim é a arte, quando a redescobrimos.

O filme, de 1983, não apenas conservou a capacidade de entreter, como passou a enriquecer o debate acerca de temas diversos. 

A atriz Jennifer Beals encarna uma dançarina que pode ser considerada uma das primeiras personagens essencialmente feministas do cinema norte-americano.

Independente, e com aquele visual irresistivelmente cafona da época, Jennifer ganha a vida como soldadora, uma função que costuma ser atribuída aos homens.

Jovem e descolada, ela mora com um charmoso pit bull num galpão improvisado. A dança, sua paixão, ela exercita num bar que dá espaço a performances explosivas, sempre com uma proposta artística e sensual.


A personagem tem outros atributos interessantes: só anda de bicicleta e não aceita ser domada pelo parceiro (que também é seu patrão), ao recusar, de forma veemente, a ajuda dele.

As mulheres do filme se apoiam, são inspirações mútuas, algo que se perdeu de trinta anos para cá e agora emerge nas discussões feministas.

A sequência em que a dançarina é aprovada numa audição exigente continua emocionante. E embora receba um buquê de flores do namorado, é ela quem oferta ao parceiro uma rosa na cena derradeira.


Além do discurso pela igualdade de gêneros, logo após a infame queima de sutiãs em praça pública, "Flashdance" representa a retomada da feminilização da mulher, sem que isso seja necessariamente um sinal de fraqueza.

A trilha sonora é tão poderosa quanto as performances, todas ligadas, de alguma forma, ao estado emocional das personagens e às mensagens trabalhadas com apurado senso estético.

Detalhe: nas principais cenas de dança, Jennifer contou com a ajudinha de uma dublê, dançarina de verdade.

Irene Cara, que interpreta a canção-tema, levou o Grammy. Dançar "What a feeling", com o volume lá no alto, é daqueles prazeres que todo mundo tem, mas pouca gente assume. 

O filme é um entre muitos sucessos do diretor Adrian Lyne. "Flashdance" foi indicado ao Oscar em quatro categorias e permanece como um libelo pela diversão, misturada à política dos sexos e dos relacionamentos que rege a vida de todos nós.

É o tipo de filme cujo status, por si só, impede qualquer tentativa mequetrefe de refilmagem. Simplesmente porque se encaixa com perfeição em seu contexto sócio-histórico, o da deliciosa década de 1980, ao mesmo tempo em que o extrapola.


Visualmente, era o começo do culto ao corpo, da mania pelas academias e da paixão pelas polainas, colãs e sessões de aeróbica. O look mudou, porém a essência, cativante, é atemporal. 

Rever "Flashdance", tanto tempo depois, foi uma experiência curiosa que, por tabela, reforçou aquele sábio ditado de que recordar é, sim, uma forma respeitável de viver.

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