Ciclo automático

"Lava e seca" para presidente


Confúcio disse certa vez: "Quando vires um homem bom, procura seguir seu exemplo, e quando vires um homem mau, examina-te a ti mesmo por seus defeitos". Quero refletir sobre política e sobre nós mesmos, meus caros. Por analogia. Pois bem, venham comigo.

Comprar uma máquina que lava e seca roupas era um desejo de anos e me custou algumas economias. Depois de pesquisar muito, adquiri a minha mais nova companheira pela internet, num site com bom preço e as melhores condições de pagamento. Cumpri com o meu dever de consumidor consciente e me sinto satisfeito.

A via-sacra em busca de uma lava e seca que me agradasse, no entanto, revelou mais do que a eficiência do promissor mercado online brasileiro. Foi também um bom termômetro de como andam as lojas físicas, já que percorri algumas para checar as ofertas.

O que presenciei foi assustador. E volto a afirmar (como já escrevi em outros textos): a culpa pela situação do Brasil não é só dos políticos especializados em corrupção. É, principalmente, do povo (e aqui tomo a liberdade de generalizar), que ainda não fez seu devido mea culpa. Explico.

Na primeira loja, ninguém se levantou da cadeira para me ajudar, pra perguntar o que eu queria, para me oferecer água ou um bom negócio. Era como se eu não existisse. Olhei rapidamente os modelos de máquinas à disposição e me retirei. 

Na segunda, foi trágico. Pior do que se sentir invisível é perceber que você é um estorvo por tentar um desconto. Eu estava disposto a pagar à vista (minhas economias me permitiam a ousadia), contudo a negociação não avançou. O vendedor queria me cobrar outros duzentos e trinta e cinco reais pela instalação. Agradeci e fui embora.

O fulano tinha o meu telefone. Não ligou. Não se mostrou interessado em convencer o gerente de que ali estava uma boa oportunidade em tempos de crise. Não fez uma nova oferta. Não se esforçou pra ser simpático. Perdeu o cliente.

Na terceira loja, o golpe final. Um dos funcionários apontou onde estava a máquina que eu procurava. Errou a marca. Não conhecia o produto. O preço estava salgado. Diante de tamanha indiferença, preferi ir pra casa e ligar o computador.

Fechei negócio sem contato humano. O site foi cordial e concedeu a possibilidade de negociar o valor. Parcelei sem juros. O atendimento por e-mail, até agora, mostrou-se correto.


Fiquei pensando em como essa experiência pode ser um indicador do nosso momento político e social. Estamos cercados de pessoas e profissionais programados no ciclo automático.

E aí eu me lembro dessa bagunça do Brasil, dessa disputa imbecil entre esquerda e direita, das reformas da previdência, trabalhista, mas não da humana. E aí eu me lembro da primeira vez em que fui maltratado em uma loja, das muitas vezes em que fui mal atendido em restaurantes, pizzarias, de quando dei um boa tarde na rua e não recebi um sorriso de volta. 

E aí eu lembro que a minha dentista atendeu ao celular para falar com a filha enquanto ainda mexia na minha boca. E aí eu lembro que a minha escovação é perfeita, mas ela não quis dar nem um real de desconto pelo serviço.

E aí eu lembro que não acredito em partidos políticos. Creio em pessoas, em caráter, em boas intenções, só que isso tá ficando escasso demais. Ironicamente, é nas lojas, onde reina a nossa (falta de) lógica baseada no consumo, que sentimos como fundamentos importantes estão comprometidos com o superficial, com o imediatismo, com a reificação da própria humanidade, no pior sentido.

Enquanto isso, lá fora, a coisificação toma proporções assustadoras no Congresso, no Senado, nas câmaras, prefeituras e onde mais a gente tem o hábito de colocar nossos iguais.

Querem fazer greve contra políticos, contra o mal-feito, contra salário baixo, contra a perda de direitos? Experimentem olhar para si mesmos. Experimentem eliminar os atos de corrupção de seus cotidianos, deixando de levar vantagem nas mínimas atitudes. 

Experimentem tratar melhor o cliente, o amigo. Experimentem fazer o trabalho primeiro, atender ao celular depois. Experimentem separar o lixo, não jogar sujeira na rua. Apenas experimentem. Depois, livres dos vícios e corrupções diárias, experimentem votar em quem tem o currículo limpo e mais potencial para fazer bem ao país. 

Por fim, experimentem comprar uma lava e seca e lidar com as pessoas aí fora. Eu tenho fé de que, um dia, o atendimento de carne e osso vai voltar a ser melhor que o virtual. E de que, num futuro ainda incerto, teremos políticos que reflitam a nossa própria melhora. "A paciência é amarga, mas seu fruto é doce", elaborou J.J. Rousseau. Por enquanto, a tenologia me parece mais palatável, humana e capaz. 

Se a tendência da soberania da máquina sobre o homem se confirmar, pretendo lançar minha lava e seca como candidata. Pense bem: ao contrário da maioria aí fora, ela tem vários ciclos além do automático. É honesta. Cumpre o que promete. É eficiente, silenciosa, só abre a tampa com o serviço pronto. "Lava e seca" para presidente. Por mim, já ganhou. 

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