Speak your mind

Cartilha de sobrevivência

Por conta do mestrado e outras prioridades, não atualizei o blog como gostaria este ano. Na verdade, como o considero um psicólogo virtual, posso concluir que, por uma série de motivos, estive mais equilibrado e precisei menos dessa minha terapia particular.

Como última postagem do ano, pensei em escrever sobre o tempo nos tornar menos pacientes com certas bobagens. Dizem que envelhecer traz sabedoria e tolerância. No meu caso, trouxe a habilidade de separar o joio do trigo com mais rapidez e eliminar da minha rotina o que (e quem) me irrita.

Isso inclui o monte de bestificados que postam foto de comida ou de seus relacionamentos de fachada. Também dei um basta aos sociopatas com transtorno narcisista e aos que chegam ao cúmulo de desejar feliz aniversário a si mesmos, com textos autoengrandecedores. Nunca dei conta de tanta asneira. Agora, menos ainda.

Gente, sério, tá feio demais. Busquem ajuda. Ou, pelo menos, fiquem longe de mim. Porém, em vez de vociferar sobre minha paciência esgotada, prefiro deixar aqui, como despedida de 2016 (tchau, querido!), o discurso de Madonna no Billboard Women in Music, que deu a ela o prêmio de mulher do ano.

Madonna não foi reconhecida só por sua extraordinária carreira, mas principalmente pelo que ela representa: uma artista que se notabiliza pelo combate a tudo aquilo que engessa a humanidade, de preconceitos a política. 

As palavras de Madonna calaram tão fundo na plateia, e repercutiram tão bem na internet, que passaram a ser usadas como cartilha de sobrevivência em publicações de autoajuda e manuais de sucesso para empresários e empreendedores. 

Eu sempre digo: Madonna nunca é só sobre música, megashows, clipes e fama estratosférica. Madonna sempre foi sobre a vida. Se você é um ser humano que anseia por um mundo melhor, e se identifica com pessoas fortes e verdadeiras, impossível, ao menos, não admirar essa mulher fantástica. Com vocês, a mulher do ano. E do último século. E do último milênio. Não precisa ficar de pé, mas pode chorar, se não aguentar. Por mais Madonnas no mundo. E um feliz 2017.


“Estou aqui, em frente a vocês, como um capacho. Quero dizer, como uma artista feminina. Obrigada por reconhecerem minha habilidade de dar continuidade à minha carreira por 34 anos diante do sexismo, da misoginia gritante, do bullying e do abuso constante.
As pessoas estavam morrendo de AIDS em todos os lugares. Não era seguro ser gay, não era legal ser associada à comunidade gay. Era 1979, e Nova York era um lugar muito assustador. No meu primeiro ano [na cidade], eu fiquei sob a mira de uma arma de fogo, fui estuprada num terraço com uma faca na minha garganta e tive meu apartamento invadido e roubado tantas vezes que parei de trancar as portas. Com o passar do tempo, perdi para a AIDS, ou para as drogas, ou para as armas quase todos os amigos que tinha. Como vocês podem imaginar, todos esses acontecimentos inesperados não apenas me ajudaram a me tornar a mulher ousada que está aqui, mas também me lembraram que sou vulnerável e que, na vida, não há segurança verdadeira exceto sua autoconfiança.
Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry, Chrissie Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino, e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. E que jogo é esse? Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não aja como se tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma prostituta, mas não assuma e não se orgulhe da vadia em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja e, o mais importante, seja alguém com quem as mulheres se sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E, por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada, humilhada e, definitivamente, não tocará nas rádios.
Eventualmente, fui deixada em paz porque me casei com Sean Penn e estava fora do mercado. Por um tempo eu não fui considerada uma ameaça. Anos depois, divorciada e solteira, fiz meu álbum ‘Erotica’, e meu livro ‘Sex’ foi lançado. Eu me lembro de ser a manchete de cada jornal e revista. Tudo que lia sobre mim era ruim. Eu era chamada de vagabunda e de bruxa. Uma das manchetes me comparava ao demônio. Eu disse: ‘Espera, o Prince não está correndo por aí, usando meia-calça, salto alto, batom e mostrando a bunda?’ Sim, ele estava. Mas ele era um homem. Essa foi a primeira vez que eu realmente entendi que mulheres não têm a mesma liberdade dos homens.
Eu me lembro de desejar ter uma mulher para me apoiar. Camille Paglia, a famosa escritora feminista, disse que eu fiz as mulheres retrocederem ao me objetificar sexualmente. Então, eu pensei: ‘Se você é uma feminista, você não tem sexualidade, você a nega’. E eu disse: ‘Dane-se. Eu sou um tipo diferente de feminista. Sou uma feminista má’.
Eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui. Michael se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das sortudas, e todo dia agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas as mulheres que estão aqui hoje é que as mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que elas precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados, mas não por serem homens, mas porque valem a pena. Como mulheres, nós temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes para que sejam amigas, para que sejam aliadas, para aprender com elas, para que se inspirem, se apoiem e se instruam.
Estou aqui mais porque quero agradecer do que para receber esse prêmio. Agradecer não apenas a todos que me amaram e me apoiaram ao longo do caminho. Vocês não têm ideia de quanto o apoio de vocês significa. Mas para aqueles que duvidam e para todos que me disseram que eu não poderia, que eu não iria e que eu não deveria. Sua resistência me fez mais forte, me fez insistir ainda mais, me fez a lutadora que sou hoje, me fez a mulher que sou hoje. Então, obrigada.

Comentários

  1. Para ser compartilhado NO MUNDO. Eternizado. Vou repercutir. Que 2017 seja mais MADONNA em tudo, em todos. thankYA

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    1. Incrível, né, Matheus? Se ainda não o fez, veja o vídeo do discurso dela. É emocionante, de dar orgulho mesmo. Quanta falta não fazem mais seres humanos assim? Um abraço pra você, feliz aniversário e um feliz ano novo.

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    2. Eu assisti. É inacreditável. Obrigado, Ro. Um lindo novo ano para você e as meninas.

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  2. E aí Rodrigo, as férias não acabaram ainda? Vamos postar por aqui, o 2017 já começou, e há 2 meses. Abraços!

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    1. Tô devendo mais textos, eu sei, rsrs. Logo termino o mestrado e animo pra postar mais. Ab.

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