Pelas barbas de Netuno

A primeira faz tchan

Nos anos 1980 e 1990, um aparelho de barbear conquistou o mercado com um anúncio divertido. O slogan que fez história era assim: "a primeira faz tchan, a segunda faz tchun e...tchan, tchan, tchan, tchan!".

Com a ajuda da publicidade, o rosto livre de pelos foi, por muito tempo, sinônimo de limpeza e credibilidade. Hoje, essa propaganda não teria o mesmo efeito. A barba, ao menos a bem cuidada, está em alta. 

Pela primeira vez, deixei crescer. Teve início, então, um novo e complexo processo de autorreconhecimento.

No começo, achei que estava apenas me rendendo à tendência, ao novo discurso de que a barba, antes sinônimo de desleixo, é um charme. Até em repórter.

A minha nem é lá essas coisas. É falha, só reforça o contorno do rosto e precisa ser aparada uma vez por semana. Mas, estranhamente, serviu para me dar uma outra dimensão de mim mesmo.

A barba, no meu caso, cresceu ao mesmo tempo em que a maturidade se acentuou. Inevitavelmente, comecei a questionar minhas escolhas. Estou onde quero estar? Sou feliz? Quem sou eu?

Percebi que ser barbado não significa ter as respostas. E que, mesmo quando as tenho, elas podem mudar com o tempo, as circunstâncias, os desejos, sempre inquietos. Assumo como consequência uma ou outra insatisfação eventual.


A maturidade, com barba, não me trouxe certezas, e sim serenidade para lidar melhor com as dúvidas. Veio de brinde a tolerância zero com o que não acrescenta: amizades que passaram do prazo de validade, shopping lotado no fim de semana, a Madonna reclamando do filho no Instagram. Perdi a paciência com o que não me dá prazer.

Tô fugindo do que me impõe rigor e disciplina exagerados. Com a academia, negocio, no máximo, três vezes por semana, apenas para manter uma sensualidade mínima. Foco no resultado, o que não me impede de procrastinar, admito. 

Esteticamente, a barba que inaugura essa nova fase levou embora a carinha de moleque. Deixar a barba crescer, para qualquer homem, é dar adeus à criança exterior e as boas-vindas a um semblante mais experiente.

Minha mãe não curtiu muito perder o filhote, porém já se acostumou. As mulheres, afinal, mudam a cor e o corte de cabelo para acompanhar as mutações interiores. Gal Costa e Lady Gaga já cantaram sobre isso. Os homens, por analogia, têm o direito de tirar ou cultivar a barba, dependendo do humor. 

No meu caso, ando mais reflexivo que de costume. Virado pra dentro, querendo sossego, enquanto tento me decifrar, colocando presente e passado na balança da existência, à espera de alguma conclusão.

Eu ainda não sei quem sou. Enquanto construo minha identidade, sinto cair um ou outro tijolo. Os buracos são substituídos, lentamente, pela argamassa do tempo. Também não posso afirmar, sem titubear, o que quero agora. A barba chegou acompanhada de uma consciência insana sobre a transição e a urgência das reavaliações. Pelas barbas de Netuno!


Essa expressão, aliás, foi criada pelos homens que viviam da navegação para externar espanto em momentos de turbulência. As barbas de Netuno, deus romano do mar, simbolizam aquilo em que podemos nos agarrar para evitar o naufrágio, o afogamento, a confusão.

Talvez eu volte a ter menos dúvidas e mais certezas. Até lá, essa barbichinha safada segue como um lembrete visível de seu propósito e do fato de que, não importa o quanto ela cresça, o Cauã Reymond sempre vai ser mais bonito. Tchan, tchan, tchan, tchan!

Comentários

  1. texto? depois leio... tava vendo a foto, haha. Gato!

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  2. Haha! Nada. O texto tá bem melhor que a foto. Obrigado, anyway...

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  3. Eu até me recordo dessa propaganda.
    Gostei do texto, Zivi. A foto tbm está demais.
    Brother, com todo o respeito, vc é muito lindo.
    Forte abraço aí.

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  4. Obrigado você pela atenção, menino.

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  5. Adorei o texto, realmente as mudanças marcam fases, acredito que a maturidade é a melhor, bjs

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  6. Concordo, Daniela. Estou curtindo muito essa fase. Seja bem-vinda ao blog. Abs.

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