Para aquecer o coração

Só que não

É o segundo casamento de Sílvia. Funcionária pública, ela tem quase 40 anos e uma filha do atual marido. O primeiro era tão morno que foi fácil deixar para trás. O mais recente começou fervendo. Hoje, é mais do mesmo. Depois de inúmeras brigas, decepções, crises de depressão e até traição, Sílvia resolveu manter o matrimônio, "pelo bem da filha". Separar-se de novo, afinal, daria muito trabalho. Além de pegar mal. Tem foto da família feliz no Face pra inglês e todo mundo ver.
  
Carlos é educador físico e fez 35 na virada do ano. Está em forma. Já teve alguns namorados. Depois de passar a metade de 2013 reclamando da solteirice, desistiu, por hora, de encontrar a cara-metade. Casamento? "Só com as noitadas", ele diz. E tome selfie. No quarto, no banheiro, na academia, no elevador, na piscina. Vai que alguém vê e se interessa? O último que se interessou conversava com outros dez por um aplicativo de namoro. Sem futuro. A única certeza de Carlos, agora, é a balada de sábado.

Elton, professor, 29 anos, está acima do peso e tem a cabeça grande. Mesmo esquisito, o cara se acha. Estava desesperado pra ter uma namorada. A última que deu bola gostou do papo pela internet e foi ver qual era. Pessoalmente, não rolou química. Ele gostou e insistiu em outros encontros. Ela deixou claro que só queria amizade. Com o orgulho ferido, Elton deu um golpe de sorte: conheceu uma desesperada como ele e tratou de mudar logo o status na rede social. Está "em um relacionamento sério". Não faltaram felicitações. Paixão-miojo é assim: rápida, sem gosto, mas sensacional pra quem vive de aparências.

Márcia é vendedora, pouco ambiciosa, já passou dos 30 e tem o hábito de se anular em relacionamentos. Tomou um pé na bunda da companheira de uma década. Levou dois anos para se recuperar. Ia pra balada quase todo fim de semana e bebia até cair. Hoje, está casada de novo. Não se apaixonou. Estava carente de atenção e deixou rolar. Já moram juntas. Usam alianças. E enchem as páginas da rede social com declarações de amor e fotos fofas. Se o mundo acreditar que Márcia está feliz, quem sabe ela não acredita também?

Caio é advogado. Chegou aos 28 anos com um bom emprego, salário razoável e roupas descoladas. Tinha um namorado bonito, charmoso e até mais interessante do que ele. O relacionamento, de muitos anos, não ia bem. Com medo de levar um chute, Caio decidiu se antecipar e acabar com tudo. Em dois meses, foi tomado por um arrependimento mortal. Tentou voltar. Era tarde demais. O ex descobriu que a vida de solteiro, se aproveitada com critério, pode ser fabulosa. Caio posava de independente, mas se apressou em arrumar outro namorado. Aliás, a cara do anterior. Na internet, largos sorrisos para disfarçar a burrada de uma existência. Mas ficam bem na foto. Centenas de curtidas.

**A moral do Facebook é um ditado que nunca cai de moda: "Por fora, bela viola. Por dentro...". Vocês sabem. 
Beijo no ombro! Risos histéricos! E um gole no meu Cosmopolitan, claro. Piscadinha. 
Fui. 

Comentários

  1. Nossa.. perfeito! Eu lembrei de vários casos "bela viola" enquanto lia seu texto. Rs
    Esses dias mesmo comentei com o Gabriel, esses casais que precisam a cada segundo fazer suas demonstrações públicas de afeto não sentem um décimo do que declaram.

    Cômico e trágico, eu diria.
    Abraço

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    1. Natália, eu vou mais longe. Conheço histórias em que o número de declarações no Face é proporcional ao tamanho da culpa. Tem muita coisa errada e sacanagem por aí. Amor declarado em rede social, a toda hora, é, quase sempre, sinal de insegurança, ou de que as coisas não vão tão bem quanto parecem. Mas o que importa, para a maioria, é passar a imagem certa. Para mim, nem isso conseguem, rsrs. Abs e obrigado pela visita.

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    2. É.. eu não gosto, nem nunca gostei de coisas exageradas. Já dizia o ditado: tudo que é demais, sobra. Ou sobra ilusão ou sobra culpa. E aos espectadores sobra apenas a terrível impressão de que a artificialidade e ostentação (material, sentimental, espiritual e tudo mais que puder ser exibido) estão dominando o mundo. =/
      Abraço

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    3. Sensacional, Natália. Mas, infelizmente, os espectadores que se dão conta dessa ostentação são raros. A maioria se sente confortável nesse mar de bobagens!

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  2. Ahhhh......como sempre, muito bom!!!!!! Ri muuuuiiiiito, é isso mesmo, adorei as histórias...rsrs
    Sou sua fã número um:
    Sua irmã, Marília

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    1. Tinha certeza de que adoraria, minha irmã, principalmente de uma ou duas historinhas aí, que a gente conhece bem, né? Rsrs. Sou seu fã também. Bjos.

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  3. Como é bom poder falar mal das pessoas mudando apenas seus nomes!!!!
    Tem o caso do Zé... o mesmo vinha de um longo relacionamento morno...ai Zé traiu e aprontou...logo Zé estava apaixonado novamente e escrevendo todo seu amor em seu diário...quando Zé tinha uma “dr" corria e escrevia em seu diário como estava sofrendo e como iria superar...ai Zé voltava e ai Zé terminava, em um ciclo sem fim!!! Claro que sempre escrevendo em seu diário nada secreto!!! Pior de tudo é que o tal Zé se diz avesso a este tipo de atitude...francamente Zé!!!!

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    1. Eu conheço bem o Zé. Na verdade, ele vem de um relacionamento curto, dois meses pra ser exato. O PENÚLTIMO (acho que é a esse que você se refere) foi longo. E muito morno no fim. No começo e no meio, foi, digamos, um desastre. Mas, se Zé aprendeu que não se deve desistir fácil, aprendeu também que não dá para insistir para sempre.

      É um cara imperfeito, como todo mundo, porém esperto. Tratou de terminar logo o romance mais recente, porque sentiu, de longe, o cheiro de problema. Zé adora simplificar a vida. E não vê drama na solteirice nem na solidão construtiva.

      Tem uma coisa sobre o Zé que eu preciso dizer: ele não falou mal de ninguém. Nem trocou nomes. A crônica foi "inspirada" em histórias reais, de gente que tem às pencas nas redes sociais. O texto reflete, simplesmente, um modo de loucura compartilhado e socialmente aprovado por uma multidão que valoriza a imagem, o parecer, em detrimento do conteúdo e do que reside por trás do véu da hipocrisia. Zé usou apenas de certa liberdade poética para construir personagens. Ele sabe, contudo, que nem todo mundo consegue interpretar textos. É compreensivo com os mais lerdos.

      Zé tem um blog, sim. Não é bem um diário, porque há textos sobre muita coisa que foge à sua intimidade. Gosta de escrever o que bem entender. E se delicia quando alguém discorda dele sem argumentos.

      Por vezes, Zé abre o coração. Sofre como qualquer ser humano. Mas fala de SENTIMENTOS. Nunca expõe os relacionamentos. Aliás, nunca vi o Zé postar fotos e declarações de amor para tentar provar algo a si mesmo ou aos outros. Zé é discreto e sabe que a verdadeira felicidade é o avesso da propaganda.

      Zé diz que ama pessoalmente. Agradece pessoalmente. Admira pessoalmente. Discute pessoalmente. Se não gostar de você, vai dizer na sua cara, antes de escrever qualquer coisa a respeito. Se você valer a pena, lógico.

      Digo mais: tem tanta coisa sobre a vida do Zé que ninguém sabe! Talvez os mais chegados, os amigos mais próximos, aqueles poucos que ele ama e escolheu ficar perto. E, sim, aquele ciclo do Zé teve fim. Parece que faz tanto tempo!

      Agora, sabe o que eu mais gosto no Zé? Quando opina, defende alguma coisa, ele se levanta e se identifica. É humilde para reconhecer os erros, aprender com quem sabe mais e, sobretudo, sábio o suficiente para se manter bem longe dos covardes anônimos. Nem por isso, deixa de publicar um ou outro comentário sem identificação em seu blog, ainda que seja uma afronta a ele ou ao bom senso.

      Zè é democrático, gente boa pra caramba! Gosta de ouvir, repensar seus pontos de vista. E absorveu, desde cedo, uma lição importante, do mestre Nelson Rodrigues: a de que toda unanimidade é burra.

      Quer saber? Eu sou fã do Zé!

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  4. Hahahaha...também partilhei da risada de diva e me empolguei ao ler a resposta (inteligentíssima, por sinal).
    Muita luz, proteção e sempre um novo jeito de caminhar!
    Beijo, gatinho

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    1. Obrigado, Lu. Louco pra dar uma risada de diva junto com você. Rsrs. Bjos e muita luz pra você também.

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  5. Bravooooo!!! (Principalmente para sua resposta ao comentarista anônimo). Há amor no ódio, já diziam os gregos. Ouviram????

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  6. Maria Tereza, acho que passei o recado ao anônimo, que já nem é tão anônimo assim, coitado. Mas esse negócio de ódio não tem chance aqui, não. Nem se for com um pouquinho de amor, rsrsrs. Bjão pra vc!

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