Pé na bunda

Ela
 
"Pé na bunda é a melhor dieta para mim". Foi com essa frase tipicamente feminina que uma amiga resumiu como funcionam os rompimentos na vida dela.
De fato, alguns perdem peso. Outros, um pouquinho de dignidade. Mas todos levam no bolso algum aprendizado.

"Ela", de Spike Jonze, candidato ao Oscar em cartaz, é sobre as consequências da melancolia pós-término e o que decidimos fazer com a bagagem emocional. 

Joaquim Phoenix (conhecido pela sua antipatia na vida real e pelas atuações impecáveis na tela grande) vive Theodore, um homem solitário e inconformado com o fim do casamento. Ganha a vida numa agência especializada em escrever cartas de amor. É antissocial. E passa o resto do tempo em casa, na companhia de videogames e computadores.

Theodore acaba se apaixonando por um sistema operacional, que ele batiza de Samantha, criado para interagir com os humanos apenas pela voz (aqui, a de Scarlett Johansson, sempre sexy, mesmo sem corpo).

A cutucada nos perigos do excesso de tecnologia e seu papel desagregador não é o único mérito do filme. "Ela" carrega nos diálogos algo que nos provoca identificação imediata e muitas reflexões sobre como decidimos nos relacionar com o passado amoroso, o que influencia diretamente na qualidade dos relacionamentos que estão por vir. Quem já levou ou deu um pé na bunda sabe que não é fácil. Muito menos processar as consequências.

"Ela" não é um filme "chororô". Em mim, funcionou como uma pílula que começa a fazer efeito horas depois. Um desses efeitos foi perceber que não existem maneiras de se proteger da dor. Nem mesmo se relacionando com um programa de computador.

Relacionamentos são sinônimo de risco. Entramos neles ansiando pela felicidade. Saímos pelo mesmo motivo. Entrar é mais fácil. Sair pode ser doloroso. Mas, como diz a personagem de Amy Adams (ela coloca um ponto final num casamento de nove anos), "estamos todos aqui por um breve momento, precisamos de alegria". Uma alegria, diga-se de passagem, que as maravilhas tecnológicas nunca serão capazes de reproduzir. Só em meio aos sustos do mundo real, de carne e osso, podemos voltar a sorrir de verdade. O resto (incluindo nossas expectativas com as redes sociais) é ilusão.

No filme, Theodore só consegue se libertar quando assimila, na alma, o divórcio. Quando percebe que ninguém nasceu para agradá-lo o tempo todo, nem a ex-esposa, nem um sistema operacional que, assim como nós, humanos, está sujeito a falhas e a alimentar decepções.

"Às vezes, acho que já vivi tudo o que tinha para viver, que já senti tudo o que tinha para sentir. Penso que não vou conseguir sentir mais nada. Ou, então, que vou experimentar apenas versões menores daquilo que já tive um dia", confessa Theodore para Samantha. Quem nunca?

"Ela" não é sobre qualquer tipo de rompimento. É sobre o fim daquele casamento (não necessariamente de papel passado) que a gente acha que é pra sempre, que dói, que muda o curso das nossas vidas, as nossas escolhas e o jeito de ver o mundo. É sobre aceitar que, por vezes, grandes amores chegam ao fim, deixando uma lição que o coração, machucado, só vai desvendar com o tempo. É triste. Mas também é útil. Nem que seja para perder peso.

Comentários

  1. Zivi,
    Para mim a historia foi bem interessante... uma pessoa apaixonada por uma interface... que ideia, não??? Será que estamos prestes a viver isso num futuro muito próximo??? Bom... Já mantemos um tratamento afetuoso e até com um toque de ciúmes, no que se refere aos nossos smartphones e os conflitos normalmente são pela falta de sinal de Internet... “Fora de área” é capaz de “enlouquecer” usuários... Rsrsrs...
    O filme fez-me recordar uma frase: “Adoro ver quem se joga de cabeça nos relacionamentos e sai tetraplégico" (De Cabeça - Amor tetraplégico - Maio/2012), no filme os personagens são apaixonados, se entregam "sem moderação" ao amor, e talvez seja bem isso, pois é tão aterradora a solidão que projetam os seus sentimentos, paixões em um mundo virtual... conclusão - não há um antivírus que nos proteja dos dissabores que selam o fim de um relacionamento seja ele real ou virtual, não é mesmo?

    Meu afetuoso abraço e desejo de sucesso sempre!!!

    Sandra

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    1. Que bom que viu o filme, Sandra! Meu olhar para essa produção nem foi tanto tecnológico, mas é um dos muitos pontos de vista que ele proporciona.
      Impossível se relacionar e sair sem um arranhão sequer. Costumo dizer que os relacionamentos, especialmente os amorosos, são o grande e definitivo jogo de xadrez da vida. Invariavelmente, haverá um xeque-mate. Pode ser a paixão, o amor que nos pega desprevenidos. Ou, simplesmente, a rejeição. De qualquer forma, sempre uma lição aprendida!
      Um beijo, um abraço e muitos desejos de sucesso e felicidade pra vc também, minha grande amiga.

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  2. Esta aspa ("Às vezes, acho que já vivi tudo o que tinha para viver...") realmente é dolorida, né? Ao menos para mim, que já tive esta mesma sensação e não soube traduzir tão objetivamente quanto Theodore (que lindas são as palavras quando combinadas de maneira exata, né?). Fique com inveja (branca... rs) de seu texto, por ter abordado o aspecto da inevitabilidade da dor, que o meu "esqueceu". Lembrou-me outro filme que também AMO e também aborda a mesma questão: "A Vila" (Adoro Shyamalan, mesmo ele estando em uma fase ruim). Se der, leia meu post sobre ele (http://goo.gl/r4TRNY). Adorei seu blog. Abração. Silvia

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    1. Sílvia, que honra ter você por aqui! Adoro seus textos, são brilhantes. Não precisa ficar com inveja, nem branca! Rsrs. Vou ver o que sugeriu e comento depois. De fato, "Ela" me tocou muito, porque, em menor grau, tive experiências semelhantes (e me refiro à dor momentânea de me questionar sobre a importância e peso de meus amores). Vamos trocando figurinhas, Sílvia! Bjão.

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