Bate, coração!

Amor de verdade


Foi a primeira Páscoa sem ovos de chocolate. Mudança. Concreta. Nunca liguei para os ovos. Mas sim para o que eles significavam e de quem vinham. Aqui em casa, a Páscoa foi simples, limpa, serena, como o terreno que começo a semear. Estou preparando o jardim, que andava esquecido, para as próximas borboletas.
A Páscoa diferente me fez ter uma nova perspectiva sobre o amor de verdade. A gente acha que todo feriado santo só vale com chocolate. Como é possível ficar sem? O mesmo acontece com o amor de verdade. Quando o achamos, não queremos largar, não conseguimos vislumbrar uma vida sem algo tão intenso, tão maravilhoso. Só que o tempo passa. Com ele, chega a inevitável pergunta: o que é, de fato, um amor de verdade?
Da mesma forma que descobri uma Páscoa sem cacau, encontrei, aos poucos, as respostas. O amor de verdade não é sinônimo de amor para sempre. O verdadeiro amor pode não durar uma vida inteira. Aliás, este nem deve ser o seu propósito. Amor que é amor, antes de mais nada, ensina. Por caminhos tortuosos, às vezes. Pelas diferenças que podem se tornar irreconciliáveis. Pela incompatibilidade de gênios, jeitos, estilos de vida. Pela dificuldade de encaixe, a despeito da excelente química. Pelos objetivos que vão cada um para um lado. Pelas ambições, umas mais discretas, tranquilas, outras desmedidas, atropeladoras. Mas, principalmente, pelo que a gente sente aqui dentro, no peito. Sim, a gente sabe quando é especial, apesar de tudo.
O amor de verdade não acaba. Aprendemos a tolerar sua ausência, porque a presença pode ser confusa, atordoante e enfraquecedora. O amor de verdade deixa ir, porque compreende que a felicidade pode estar mais na separação e menos no casamento. O amor de verdade precisa de tempo para se transformar numa reluzente lembrança dos bons tempos, em detrimento dos momentos de aflição, dúvida, sufocamento. O amor de verdade não fica com mágoas. Apenas entende que a vida precisa ser simplificada, equacionada com o bem-estar, a alegria de viver, e não com armas de combate, ainda que em posição de repouso, esperando pela hora do saque.
O amor de verdade nem sempre é pacífico. Chega, muitas vezes, para nos tirar do prumo, sacudir a poeira, mostrar outros horizontes, despertar sensações inéditas e exterminar o comodismo de uma realidade cansada e esgotante. Pode se confundir com a paixão. O amor de verdade também pode esgotar. Pode se esgotar. É quando entra a sabedoria. Na montanha-russa do coração, aprendemos a ter inteligência emocional. Aprendemos o que esperar das subidas intermináveis e das descidas que dão frio na barriga. No fim das contas, a gente sabe que ninguém vai morrer. A gente sobrevive à saudade, à distância, à vontade de fazer dar certo para o resto da vida, à frustração de ter tido um amor de verdade que só veio para cumprir um curto, porém fundamental, papel na longa trajetória que devemos percorrer.
O amor de verdade permanece. Que honra levar isso comigo, embora, aqui e ali, não consiga evitar a melancolia e o desejo de uma noite de sexta com edredom, filme e a companhia que, um dia, quis ter pra sempre.
O saudoso Millôr Fernandes escreveu: "Viver é desenhar sem borracha". Meu desenho, hoje, está uma bagunça. Não posso apagar. Devagar, tenho certeza, vai começar a fazer sentido. Amor de verdade é como obra-de-arte. Ninguém precisa entender. Só interpretar. Quem sabe uma outra chance? Num outro momento, daqui a alguns meses, talvez anos, com tudo diferente e outras lições aprendidas? Com as cabeças turbinadas pela razão que só o tempo é capaz de proporcionar? Com os corações mais avermelhados e prontos para, enfim, acertar os ponteiros que sempre faltaram?
O amor de verdade é esperança. De que tudo dê certo, seja lá como for. Se for pra ser, vai ser de novo, hoje, amanhã, daqui a uma década, quem pode adivinhar? Se não for, ok. Às vezes, nos apaixonamos. Amamos com força. Aprendemos o que é preciso. Seguimos em frente. E tudo bem. Uma vida sem ovos de Páscoa não é o fim do mundo.

Comentários

  1. Ro parabéns pelo texto..adorei..feliz pascoa para você!!
    Grande abraço
    Daniel

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  2. Esse eu tirei bem lá do fundo do peito, Daniel, rsrs. Bom ver vc por aqui. Um abraço e boa Páscoa também.

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  3. Muito bom o texto, Rodrigo! Adorei.
    Que o descanso nessas férias consiga ajudar você a organizar, pelo menos um pouco, a bagunça do "desenho" que sua vida tem hoje. É clichê, mas o tempo é mesmo um santo remédio!
    Vamo que vamo!
    Beijos :)

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  4. Obrigado, Olívia. O tempo, de repente, se tornou meu melhor amigo. E estou aprendendo a ter mais paciência para deixar que as coisas aconteçam, sem pressa. Vamo que vamo, rs! Bjos.

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  5. Converter....segundo Michaelis: Mudar(-se), transformar(-se), transmudar(-se) uma coisa em outra: "O coração bravo converte o lenho em aço" (Rui Barbosa).
    "...as preces... converteram-se num som único de choro perdido" (Alexandre Herculano).
    Comutar, substituir: mudança de direção !!!
    Novos ares, novo olhar, nova fase, novo Rodrigo, pelo que me parece mais belo de alma, caracter, postura, e com a terra do coração em fase de recuperação da exaustão, mais como a cada ciclo temos a opção de nos tornar uma pessoa melhor......
    Amor é uma cicatriz que sempre estará lá !!! Mesmo tentando esconder, quando menos percebemos, ta lá...diante de nós.
    Felicidades sempre !!!
    Tiago

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  6. Tiago, que bonito! Obrigado pelas palavras de conforto e por me desejar o bem. O dobro pra você! Um abraço.

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