Feira livre


Depois do fdp

Um dia de feira. E nunca mais fui o mesmo. Entre abacates, mexericas e pasteis, lá fui eu para mais um desafio como repórter. A pauta? Não importa. Escolhi uma senhora de uns oitenta anos como personagem para a matéria, simpática e dedicada na escolha das frutas. Ela estava ao lado do marido, aparentando a mesma idade. De longe, pensei estar diante de um desses invejáveis e raros casais que passam a vida juntos e fingem guardar a sete chaves o segredo já notório para longos relacionamentos: paciência. Só que, de perto, ninguém é normal. Né, Caetano? Enquanto lançava minhas perguntas à frágil idosa, o companheiro dela me interrompia com grosseria e quase a impedia de responder. Ignorei a provocação e consegui minha entrevista. Fui embora, refletindo sobre aquela polêmica frase de Fernanda Young, de quem nem sou muito fã (releia aqui). A jornalista e escritora disse, em um programa de TV, que o idoso, muitas vezes, “é só mais um fdp que envelheceu”. A declaração rendeu a Young uma enxurrada de críticas. Hoje, me solidarizo com ela. Porque eu encontrei, na feira, um fdp que envelheceu. Que, por sua vez, encontrou uma mulher paciente, aterrorizada e acomodada, disposta a suportá-lo, sacrificando o próprio bem-estar e talvez todas as outras formas de felicidade que não incluem o matrimônio. Com todo o respeito aos dignos representantes da terceira idade, Fernanda Young estava certa. Tendemos a considerar os mais velhos seres quase etéreos, merecedores de respeito e consideração incondicionais. Nos esquecemos de ponderar. Maquiamos o fato de que a maioria dos relacionamentos longevos não se sustenta necessariamente pelo jogo de cintura, amor e consideração. A base, em muitos casos, é o conformismo, o desespero, o medo da solidão.
Aquele casal de velhinhos é a personificação do meu pavor: envelhecer ao lado de um fdp por medo. Porque lá fora ficou insuportável. Porque encontrar alguém está cada vez mais difícil.
Depois do fdp, até o último filme de Lars von Trier, “Melancolia”, que achei chato, adquiriu outro sentido. A personagem de Kirsten Dunst, depressiva após o casamento (numa antecipação do que seria o fim do mundo), agora tem minha simpatia e entusiasmo.
Depois do fdp, compreendo a fama e fortuna de Nicholas Sparks, autor que se consagrou escrevendo romances açucarados e improváveis, como “Um amor para recordar”, best-seller que já virou filme e está no top 10 das Julietas. É dele a missão de nos convencer que o romance não acabou, que vale acreditar na lenda das almas gêmeas, do um feito para o outro. Talvez uma volta na feira faça Sparks repensar o romantismo.
Depois do fdp, nunca mais olho para um casal de velhinhos assim, a olho nu. A partir de agora, coloco no microscópio, chego mais perto, pergunto do abacate, só pra checar. Quero saber: são bodas de companheirismo genuíno? Ou o resultado da inércia sentimental que, de mãos dadas com as convenções, faz crer que a solidão é mesmo a pior saída?
Seu velho fdp, como posso te agradecer? Você, cinzento e sisudo, me mostrou o quanto minha jornada pode ser maravilhosa, mesmo sem aliança, seja lá até que dia, desde que eu esteja livre dos ranhetas e infelizes. 
Neste momento, minha esposa é Fernanda Young. Meu marido, Lars von Trier. Meu compromisso é com a lucidez. Até que a morte nos separe.

Comentários

  1. A postagem de hoje me fez lembrar o fim de um relacionamento sofrível para ambas as partes, mas que se prolongava por insegurança. Na época (nem faz tanto tempo assim) eu olhava com certa invejinha para os casais de velhinhos andando de mãos dadas na rua e pensava que era aquilo que queria pra mim, mas confesso que nunca, nunca havia observado mais a fundo a ponto de lembrar que eles são gente como a gente.
    Dia desses ouvi uma senhorinha (olhaí, tudo no diminutivo sem esconder o carinho natural pelos idosos) dizendo que ainda bem que os jovens começaram com essa história de morar junto com o companheiro antes de casar. Ela disse ainda que se tivesse conhecido melhor o marido antes do matrimônio, estaria solteira.hahaha
    Quem foi que inventou essa história de que não é possível ser feliz sozinho? (Não estou dizendo que seremos.rs)Mas vamos ao ditado..."antes só que mal acompanhado".
    Valeu mesmo pela reflexão, Rô. Sabia que era só você se inconformar com algo pra colocar as ideias pra fora.
    Beijãoo

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  2. Hehehe... muito bom!

    Talvez Nicholas Sparks tenha passado por esta mesma feira e encontrado este mesmo fdp; e, só depois disso, passou a escrever romances improváveis na tentativa de resgatar o romantismo = best-sellers.

    SENSACIONAL: "encontrou uma mulher paciente, aterrorizada e acomodada, disposta a suportá-lo, sacrificando o próprio bem-estar e talvez todas as outras formas de felicidade que não incluem o matrimônio".

    E PARABÉNS pelo casamento, Ro!
    Vida longa aos noivos! Hehe

    beijo

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  3. Não é, Lu? Pois eu, de certa forma, tb não me questionava. Achava bonitinho, e ponto. Mas como sou sempre do contra e tenho obsessão pelo lado b do mundo, acabo de desmistificar, para quem estiver aberto a isso, a etérea imagem dos casais de velhinhos que vagam pelo mundo. Quanto ao relacionamento que citou, acho que sei bem do que está falando. Vivendo e aprendendo. Valeu por mais uma visita, menina de ouro.

    xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

    Então, Má... Vc tem toda razão. Sparks pode, sim, ter dado uma volta na feira e se inspirado a tentar mudar o mundo, hehe.
    Sobre o casamento, estou em constante lua de mel com minha lucidez. Às vezes, eu e ela brigamos, normal. Mas logo ela volta. Nenhum casamento eh perfeito, rsrs. Bjo.

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  4. Olá Rodrigo,

    Passando para agradecer pela visita ao meu blog e dizer que gostei muito desta postagem e sempre vou dá uma olhadinha aqui... Parabéns pelo Blog!!! Bjs

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  5. Olá, Lucélia. Que bom ter vc por aqui. Seu blog tem uma trilha fantástica, hehe. Seja bem-vinda! Bjo.

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  6. Então...

    Certa vez presenciei uma cena marcante, uma viúva desabafando no velório do próprio marido que o sentimento que ela tinha (apesar da aparente tristeza) era o de alívio (pois ele era um fardo que por muito tempo ela carregará)...

    Para se permanecer em um relacionamento, para manter vivos os bons sentimentos, necessário se faz companheirismo, compreensão, fidelidade, AMIZADE, cama, etc. etc. etc... Mas acima disso tudo, é preciso amor próprio...

    Nunca me esqueço de uma frase dita por Samantha Jones (Sex and the City S05E03) “Richard, eu gosto muito de você, mas eu gosto MUITO MAIS de mim...”

    È necessário gostar demais de si mesmo para poder gostar de alguém, caso contrário, você esta simplesmente se anulando em nome da honra de poder bater no peito e gritar “EU NAMORO (sou casado, tenho alguém, moro junto, blá blá blá) a 519 anos... Muito mais como uma sobrevivente de guerra, de que como uma pessoa realizada...

    Não sou de ferro, sonho, choro, sorrio, xingo... Mas quando o assunto é relacionamento, vale muito à pena entregar junto com seu coração, as suas idéias, pra não fazer me*** lá na frente...

    Parabéns pelo texto, e posteriormente lhe explico o impacto deste em mim hoje rsss...

    Gde abraço!!!

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  7. Seimir, que bom que gostou. E melhor ainda ver vc por aqui. Quero que me explique mesmo esse impacto. Uma boa desculpa pra gente sentar e dar risada. Ab!!

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  8. adorei seus textos.

    e olha que não foram poucos os que eu li aqui...

    são bem sinceros e, com muita audácia, tendem a nos tirar do senso comum.

    só faço uma ressalva: creio que o mundo seja um tanto menos ácido do que a forma como vc o retrata...

    uma gotinha de adoçante pode fazer de nossas vidas, um sorvete de doçura pobre e artificial e, pior do que isso, nos iludir com um gosto pra lá de mentiroso.

    mas nem todo sabor adocicado é uma mentira, nem todos os confeitos são repletos de corantes - a vida às vezes é colorida por si só - e entre o tamarindo e o adoçante, ainda existe o mel, acredite =)

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  9. Lívia, concordo com você. Sou fã do equilíbrio. Mas, por vezes, é preciso gritar para que alguns te ouçam, entende? Muito obrigado pela sua visita, querida. Seja sempre bem-vinda. Um beijo.

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  10. uhuuuuuu!!!!

    hoje escolhi os melhores pra ler...
    falando em Fernanda Young, eu sempre quis ler "o pau", lembrei disso.
    e Lars von Trier é ótimo, todos os filmes dele contém em suas substâncias as profundidades psicológicas mais moralmente disfarçadas da nossa existência, ou do que conhecemos dela.

    (j. i.)

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