Adeus

Carta de amor

Nem sei como começar. Você sabe, depois de tanto tempo, a gente fica meio assim, sem jeito, quando é preciso falar sério. Eu tenho uma coisa pra te falar, mas, por favor, espere eu terminar. Depois de pensar um pouco sobre a nossa vida, os nossos dias, as nossas noites, as madrugadas na TV, as declarações de amor, os planos para o futuro... Depois de pensar bem sobre tudo isso, concluí que você não é o amor da minha vida. Eu sei que disse que você era, em alguns momentos, porém mudei de idéia. Só os covardes não mudam de idéia, lembra? Sou geminiano, inconstante mesmo.
Sabe por que você não é o amor da minha vida? Porque, apesar de me sentir bem ao seu lado na maioria das vezes, percebo que isso em pouco me acrescenta. Pensando bem, o que você me ensinou? Desculpe, mas a resposta é: quase nada. E os amores da vida da gente, de alguma forma, são professores, em um ou outro aspecto. Sua imaturidade é algo que ainda me espanta. E idade, nessas horas, pouco importa.
Eu, sim, te ensinei. E pra quê me importar com a modéstia agora? Te apresentei um mundo de boa música, bons filmes, outros pontos de vista, olhares críticos, comportamentos éticos, relacionamentos que se alimentam de muito mais do que uma transa numa esquina ou boate. Mesmo assim, teve aquela história da boate. Quando você, mesmo estando comigo, se aproveitou da minha ausência para experimentar outros lábios e sei lá mais o quê, só pra ter certeza do que queria. Descobri as mentiras e te perdoei, porque acho que todo mundo merece uma segunda chance. Até você. E naquela hora, apesar de tudo, ainda considerava a possibilidade de você ser o amor da minha vida. Só que o amor da minha vida não me trairia, não mentiria, não me deixaria inseguro em cada boteco que entramos ou a cada viagem que preciso fazer sozinho.
Preciso te confessar uma coisa: também traí. Depois de você, claro. Queria saber como era. Experimentar outros lábios e sei lá mais o quê. Fiz isso mais de uma vez. Não queria que descobrisse. Precisava passar por isso. Sinceramente, não me orgulho. Também não me arrependo. Na verdade, não senti nada. Estava traindo alguém que não merecia, de fato, toda a minha consideração. Nem o doce sabor da vingança consegui sentir. Se fosse mesmo o amor da minha vida, seria diferente. Não teria caminhado sobre o terreno arenoso da vida dupla. Não gosto. Gosto de um amor de cada vez, de sentir mais do mesmo beijo, mais do mesmo amor, mais do mesmo respeito e fidelidade.
Com você, vislumbrei que o amor da minha vida talvez não exista. Que é errado projetar no outro nossos ideais de companheirismo e paixão. Só nos machucamos se pensamos assim. Podemos ter vários amores na vida, mas só alguns realmente marcam nossa trajetória. Eu, felizmente, fui abençoado desde cedo com a maturidade que me permite separar o joio do trigo e só me entregar a quem acho que realmente vale a pena. Você valeu. Mesmo não sendo o amor da minha vida.
Me apaixonei pela sua juventude, seu jeito inocente e, às vezes, safado. Me apaixonei pelo seu carinho, pelos momentos em que podia ver nos seus olhos que realmente gostava de mim, ainda que não conseguisse expressar esse sentimento da melhor maneira. Me apaixonei. Mas consigo me distanciar de tudo e ver as coisas como elas são. Você, definitivamente, não é o amor da minha vida.
O que fica? Ficam os momentos de deleite que tivemos um ao lado do outro. No cinema, em casa, no barzinho, dentro do carro, brigando por causa de nossas músicas preferidas. Ficam o carinho que sempre vou ter por você e as lembranças de um relacionamento que foi muito melhor do que pior. Ficam os olhares, o toque, os banhos, as refeições, o sofá de onde vimos tanta coisa na TV de 32 polegadas que você tanto gosta. Fico eu. Fica você. Nunca vou te esquecer. Afinal, os momentos de amor valeram muito mais que os de dor. Vou te carregar para o resto da vida e jamais vou virar as costas ou o rosto pra você quando a gente se esbarrar. Mudo de idéia, mas não de caráter. O amor pode mudar, mas não acaba. Não se for amor de verdade. E nós tivemos um desses.
De certa forma, sinto que te preparei. Vejo em você alguém muito melhor. Estou honrado. Quem sabe eu não seja o amor da sua vida? Pena que você não seja o meu.
Fazendo um retrospecto rápido, talvez eu tenha aprendido, sim, algumas coisas com você. Aprendi que sou alguém que não gosta de “pular a cerca”, por exemplo. Se não fosse por você, nunca teria descoberto. Aprendi que preciso de alguém que troque comigo, e que não apenas receba. Aprendi que há certas coisas que eu não negocio. E uma delas é a paz de espírito no relacionamento a dois, o que eu nem sempre conseguia ter com você. Aprendi a me conhecer melhor, a saber que o amor ideal não existe. E que não tenho a obrigação de me contentar com quem aparecer. Nem com você, se eu achar que mereço mais, que eu posso ser mais feliz de outro jeito, com outro alguém ou sozinho.
Não te considero um erro. Eu acertei. Sou melhor hoje. Mais maduro. Mais consciente de mim mesmo e do que quero. Obrigado, meu amor. Mor. Morzão. Coisa mais gostosa. Foi tudo ótimo. Vamos ser felizes. E eu te juro: não perdi a esperança de encontrar um amor que pelo menos chegue perto do maior de todos os que já senti até hoje: o amor por mim mesmo.

Comentários

  1. No mínimo, corajoso! Parabéns, irmão! Tenho orgulho de você.

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  2. Olá Rodrigo!!!!

    Faz algum tempo que acompanho seu blog, aprecio seus textos, que qualidade, hein?
    Me identifiquei muito com este e, sei como é difícil tal decisão. Apanhei muito até descobrir que só poderia ser feliz, amar alguém quando me amasse primeiro. Hoje sei que cumplicidade, respeito, companheirismo, honestidade e fidelidade são imprescindíveis para uma vida a dois.
    Depois de muita decepção ainda continuo com a esperança de encontrar um amor que valha a pena ser vivido.

    Abraços

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  3. Olá Rodrigo, tudo bem? Entrei hj no seu blog e vi que meu comentário nao aparece...será que enviei errado? Até mais...Luciana.

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  4. Ro,lembra que não vale odiar todas as rosas simplesmente porque o espinho de uma delas o machucou? Seja feliz, lindão! Torcemos por vc de forma declaraaada.
    Conte com a gente.
    Beijo

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  5. Olá Rodrigo...olha desde que a Marília (minha irmã querida) me falou do seu blog...sempre entro pra ver se tem algo de bom pra ler...eu adoro o jeito que você escreve, viu! "Carta de amor"...é um dos textos que a pessoa quer ler e reler...muitas e muitas vezes. Foi o meu caso...rs. Simplesmente não tenho o que comentar...apenas te elogiar pela linda carta de amor...acho que todas as mulheres gostariam de receber essa carta,caso o relacionamento com o seu parceiro não desse certo. É de um caráter extraordinário mesmo! Pena que, atualmente, é muito raro encontrar essa dignidade nas pessoas, tanto em homens, como em mulheres. Esta sua citação diz tudo: "Mudo de idéia, mas não de caráter". Adorei. Um abraço, Luciana.

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  6. A todos, muito obrigado. Ricardo, meu irmão, vc não sabe como foi difícil pra mim colocar isso tudo pra fora. Mas me ajudou muito. Ao anônimo, por favor, se identifique, rsrsrs. Luciana, acho que o problema com o seu comentário já foi resolvido, né? E estamos esperando vc aqui para os lados da Califórnia Brasileira, viu? Lucélia, obrigado pelo seu sábio comentário. Sei que me deparei com um espinho, e dos grandes, e que vou ficar cínico com relação ao amor por muito tempo. Mas, um dia, tenho certeza de que a vida vai me surpreender. Continue torcendo. Um abraço em todos vcs.

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  7. Que falta de educação...postar um comentário e não se identificar...rsrsrs

    Prometo que não faço mais isso.

    Um abraço

    Josy

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