Reflexões

Espelho, espelho meu



Orgulhoso, me lembro de quando tinha 27 anos e fui barrado pela moça do cinema. Ela me pediu o RG, porque o filme, um terror sanguinário, era proibido para menores de 18 anos. Pois é. Eu, com 27, aparentava ter 10 a menos. Cara de moleque. Respirando uma de minhas frases de efeito prediletas: “A vida é um milhão de novos começos, movidos pelo desafio, sempre novo, de viver e fazer todo sonho brilhar.”
Desde o meu último aniversário, porém, algo mudou. No dia 5 de junho, completei 33 anos. A tal "idade de Cristo". E, pela primeira vez, o número pesou. Busquei meu melhor amigo, o único capaz de me dizer a verdade e me obrigar a lidar com ela: o espelho.
A conversa, olho no olho, foi direta. A cara de moleque, antes uma realidade, ficou na lembrança. Feliz ou infelizmente, nunca mais terei problemas para assistir aos filmes proibidos para menores. O cabelo, antes muito farto, dá sinais de algumas entradas. Nada que um bom penteado não disfarce. Já as olheiras, a quem nunca tinha sido apresentado, insistem em aparecer após uma noite mal dormida. O cansaço, antes invisível, se tornou aparente. Tá na cara: na minha idade, dormir bem começa a fazer toda a diferença.
Nesse bate-papo silencioso com meu reflexo, me dei conta de outra inversão incômoda: antes, eu era sempre o bebê da ilha. Na escola, no emprego, na mesa do bar, na danceteria, na aula de italiano. Hoje, me resta ser o irmão mais novo lá de casa. Um consolo. Já que no trabalho, por exemplo, nós, balzaquianos, já somos uma ínfima minoria, abrindo alas para a molecada recém-saída da graduação. Na balada, mais um susto. Em boates e botecos, só parece haver espaço para quem ainda não brigou com a idade. Eis uma verdade que qualquer espelho é capaz de contar ao mais cético dos seres humanos: o mundo é dos jovens. O meu pedaço do bolo, portanto, diminui na mesma proporção em que o “Parabéns a Você”, ano após ano, fica mais alto e perturbador.
Interrogações
Perguntas ao espelho: serei capaz de, à minha maneira, parar o tempo e caminhar sobre ele? Poderei dar de ombros ao fato de que a juventude não dura para sempre e aceitar, com serenidade, as primeiras rugas e a cabeleira branca? Quais serão minhas prioridades? O trabalho e o dinheiro? Ou o amor e a família? Serei capaz de me resignar diante da constatação de que tenho pouquíssimos amigos, menos até do que imaginava, aptos a me acompanhar até o fim da jornada? Envelhecerei sem mágoas num mundo que continua cobrando esposa e filhos em troca de uma falsa realização, mesmo sabendo que nunca serei capaz de ceder a essa armadilha? Será possível me aninhar nos braços do tempo, com tranqüilidade, sabendo que talvez não exista um amor perfeito, ideal? Fiz tudo o que eu queria? Ainda dá tempo de fazer, sem cair no ridículo? Perdi o bonde da garotada sem gozar de tudo o que ele me oferecia? Sem arrependimentos? Manterei a sanidade perante a morte dos meus queridos? Por fim, a interrogação mais traiçoeira: como vou reagir quando olhar para trás e perceber que, na ampulheta do universo, me restam menos anos do que já tive? Tantas dúvidas e uma única certeza: a de que só os aniversários vindouros me trarão as respostas certas. Antes, eu era hard; hoje, tô quase soft. Existe melhor presente de aniversário que a sabedoria?
Dalai Lama preconizou: “Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito. Um é o ontem. O outro, o amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e viver”.
O ontem me mostra que aprendi algumas lições importantes para continuar minha escalada rumo ao amanhã. Aos 33, aprendi a amar sem exigir tanto em troca. Aprendi a dar uma segunda chance aos que pisam na bola, mas jamais uma terceira. Aprendi que evitar uma briga vale muito mais do que vencer uma batalha. Aprendi que os animais têm muito a nos ensinar sobre companheirismo e consideração. E que ser feliz é uma escolha. A experiência já me permite fazer a minha. Que venham os 34, os 35, os 40, os 50. Espelho, espelho meu: grato pela sinceridade e por me fazer concluir que os melhores dias estão à minha frente.

Comentários

  1. Em tudo o que você comentou Rodrigo, há uma coisa que é preciso dizer: tudo isso é a vida. A graça dela é que as coisas acontecem, mudam e transforma o dia a dia. Resta a nós saber aproveitar, do melhor modo, cada grão que cai na ampulheta.

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  2. É amor da minha vida. Gostaria de dizer que ao completar 32 não senti metade do que sentiu e n fiz metade das indagações que fez. Mas confesso que tudo isso passou pela minha cabeça no último dia 14 de março. O consolo é que a bagagem de todos esses anos é maravilhosa. Sei que no seu caso tb. E n troco um Rodrigo de 33 por dois de 16 de jeito nenhum.

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